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domingo, 9 de maio de 2010

Ensaio #13

Casa da Flávia – 03/05/2010 – 13h às 17h.
Diogo, Carolline, Flávia, Adassa e Fabíola.

Trabalho sobre o Quinto Movimento. Antes, porém, de começá-la, Fabíola nos trouxe uma série de reflexões muito interessantes sobre um estudo que havia feito sobre a adaptação, depois de tê-la recebido no ensaio anterior. Dentre as coisas que ela foi abrindo e colocando em discussão, marco algumas questões de extrema importância.

CIRCULARIDADE. Estamos falando muito essa palavra sem saber ao certo de onde veio. Eu sempre falo que devo ter lido em algum material sobre Beckett, mas não importa a fonte. Importa a sugestão do sentido. E pensar circularidade em ESPERANDO GODOT é pensar um movimento – único ainda que feito por partes – pelo qual as coisas todos que nele ocorrem sugerem sempre uma volta ao mesmo, um caminho que termina de novo em si, em um mesmo começo, ou seja, uma circularidade no sentido de um fluxo que nunca acaba porque sempre se recomeça. E sempre da mesma forma. Quase da mesma forma. Os personagens, as atrizes, estão todos presos ao destino cruel como informa Beckett, e é destino porque já se sabe o que virá. E é cruel porque se tem consciência de tal fato. Fabíola exemplifica a circularidade de uma forma toda especial: Lucky começa reclamando que apanhou, que bateram nele. Momentos depois – numa temporalidade linear proposta pelo texto e mantida na adaptação – presenciamos Lucky batendo em Estragon. Será que no início da peça Estragon reclama por ter apanhado de Lucky, mas não se lembra de quem foi? Circularidade.

Lucky. Fabíola também nos propõe que Lucky é o único sortudo (Lucky em inglês significa sortudo) justamente porque sabe de alguma coisa. No entanto, seu fluxo de consciência, sua fala, sua tentativa de esclarecimento é sempre interrompida e boicotada. Inúmeras vezes em seu monólogo é diz a palavra interrompido. E outras várias diz recomeço. Eu disse a elas que acredito que há uma clareza tão grande na fala de Lucky, que ele acaba a perdendo. A compreensão real de alguma coisa, a meu ver, gera aquele estado em que o ser já não se administra, não se consegue fazer legível. O ser vira escravo de si mesmo. De sua consciência, enfim… O excesso de luz traz a cegueira. O excesso de fala traz a mudez.

Mistério. A Flávia nos trouxe essa palavra. Dias depois do ensaio ela acabou me sequestrando de mim. Já não consigo não pensar nesta encenação como um jogo que tenta desvendar o impossível, um jogo pelo o qual quatro atrizes se movem em plena escuridão e esbarram em pedras, produzindo faíscas de compreensão. Ao invés de absurdo, quem sabe exista um tom de mistério? Quem é Godot? Elas estão em volta de uma mesa apenas. Mas sobre a mesa, bailando no ar, um mistério grita. O silêncio está cheio de nossos gritos. É o Leitmotiv, Phil, em notas graves, dizendo ou tentando dizer: GO… DOT… Dê um fim. Dê um ponto. Arremate-se.

Parece claramente que a coisa mais importante no céu e sobre a terra é obedecer por muito tempo e numa mesma direção: com o passar dos dias, surge daó alguma coisa pela qual nos vale a pena viver sobre esta terra como, por exemplo, a virtude, a arte, a música, a dança, a razão, o espírito, alguma coisa que transfigura, alguma coisa de refinado, de louco ou de divino…

Citação de Nietzsche que Camus revela num dado momento de seu livro O MITO DE SÍSIFO. Discutimos um pouco sobre essa persistência sobre algo que acaba por ser transfigurado.

Começamos a estudar o texto a partir do que Anne Bogart nos abriu em seu texto TERROR, DESORIENTAÇÃO E DIFICULDADE. Ela citou alguém que cera vez afirmou que o papel da arte era o de trazer à tona as perguntas que haviam sido escondidas nas respostas. Lemos algumas vezes o quinto movimento, refletimos sobre a costura dos trechos do primeiro e segundo ato, falamos de possíveis substituições de significados e dos campos meta e teatro. Em suma, preparamos o terreno para o ensaio seguinte, quando viríamos a improvisar a partir desse trecho da adaptação.