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quarta-feira, 30 de março de 2011

Improvisação Falada

Palavras escritas em ensaios passados. Não levem nada tão a sério.


Como é montar Esperando Godot nos dias de hoje? Já que tratar da espera, dessa incerteza de lugar, desses personagens que, desses vagabundos, desses miseráveis, o que vocês acham que move essa espera de Godot?
Os personagens se revoltaram contra o sistema capitalista e não entraram na máquina. Então, para mim, hoje, fazer Esperando Godot é me colocar fora desse sistema e tentar descobrir o que é que organicamente isso me traz.
Lucky e Pozzo. Como se avalia uma relação de escravo e senhor nos dias de hoje?
Eu acho que não existe uma distinção entre os dias de ontem e o de hoje. Essa peça, Esperando Godot, continua a mesma. A gente tem que ter muito respeito a essa obra pela forma como ela foi feita. A nossa montagem é clássica e a relação Pozzo/Lucky é a relação que Beckett coloca em Esperando Godot.
A gente fez uma pesquisa, né? Lemos outras obras de Beckett. E eu acho que reproduzir uma obra de 1949 em 2010, ela é muito atual. Hoje em dia a gente vê essa relação de mandante e mandado. A gente se identifica muito e entramos numa pesquisa profunda sobre as relações entre as personagens assim como Beckett escreve.
Assim, pensando que os personagens, os vagabundos, estão fora de um sistema capitalista que começa a aquecer as turbinas após a segunda guerra. A gente chegou a essa conclusão, a de que Pozzo e Lucky estão tentando entrar nesse sistema, tentando se adequar a ele.
Como você acha que é para o público, já que se trata de um espetáculo grande, com dois atos, cerca de duas horas de duração?
Sem dúvida é um pouco estafante duas horas de espetáculo. Mas nós procuramos encontrar aquilo que a gente chama de alívio cômico, que são alguns jogos entre os personagens, algumas brincadeiras que o próprio Beckett propõe, números de palhaço, gags que ele propõe, que entram no decorrer do espetáculo e causam um certo alívio no drama que esses personagens estão vivendo. Porque eles estão vivendo um drama, eles estão ali esperando uma coisa que eles sabem que não vem... É uma espera que está meio viciada. É muito atual, porque ainda estamos esperando, desde a época em que a obra foi escrita... A duração do espetáculo existe nesse tamanho para nos dar a dimensão dessa espera, enquanto os números cômicos proporcionam certa fruição ao espectador.
Como que vocês articularam a decrepitude que passa a tomar os personagens a partir do segundo ato? Um fica cego, outro mudo, de que forma vocês lidam com isso?
É. Da forma como Beckett escreve na peça dele, Esperando Godot. A gente lida da forma como ele colocou.
A gente fez um laboratório no Instituto Benjamin Constant e também no Instituto de Surdos e Mudos de Laranjeiras.
É, porque eu acho fundamental a gente resgatar o que há de fato humano, né? O ser humano passa por isso, fica cego, fica mudo e a gente teve a oportunidade de ter esse contato. Eu fico realmente feliz, porque a minha experiência foi encantadora. É realmente um resgate da humanidade, o meu personagem está cego, de fato. Que é uma coisa que a gente nem vê tanto hoje em dia nos espetáculos que estão por ai.
Beckett escreveu esse espetáculo para quatro homens e nós somos quatro mulheres. Vocês podem achar isso estranho, mas o diretor teve o cuidado de chamar quatro mulheres homossexuais. Isso foi muito importante. Nós temos a nossa parte masculina muito aflorada.
É interessante a gente conseguir colocar em cena realmente a nossa masculinidade castrada.

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